Produtos sem alma não atraem mais as pessoas
- Maria Beatriz Gonçalves / OVNE Entrevista
- 19 de jul. de 2017
- 6 min de leitura
Texto retirado integralmente do portal medium.com / OVNE Entrevista
Philip Fimmano, especialista em moda contemporânea, pesquisador sabe que o futuro deste mercado passa pelo relacionamento mais transparente entre as marcas e seus consumidores
Philip Fimmano inspira. Especialista em moda e lifestyle, é um dos braços direitos da papisa da pesquisa de tendências Li Edelkoort. Está à frente do estúdio Edelkoort, em Nova York, com contribuições para os livros do Trend Union, a Bloom Magazine, e muitos outros estudos estratégicos para marcas mundo afora. Philip pode falar com cuidado e dedicação, pergunta a pergunta, de temas amplos que vão do feito à mão às tendências do mercado de luxo; das tramas de tecidos às práticas do varejo. Philip é alguém que você quer ouvir.
Em 2011, fundou o Talking Textiles, iniciativa por meio da qual quer promover inovações na indústria têxtil através de exposições itinerantes e programas educativos. Inquieto, aventura-se também pela curadoria de arte em museus de Paris (cidade onde ele mora), Estocolmo, Florença e Londres. Em seu trabalho como pesquisador, combinar intuição e razão é essencial. Para decifrar conceitos globais, ele olha também para o local; para falar do futuro, observa também o passado. É um homem de contrastes e de equilíbrio. Que conta histórias com paciência enquanto desenha mentalmente estratégias de marca focadas nos mercados da América do Norte e do Sul. A seguir, a conversa que tivemos com ele.

Vamos começar com o aspecto mais “crítico”? A moda está passando por um momento de redescoberta, por uma necessidade de reinvenção em vários aspectos da cadeia produtiva. Como chegamos aqui?
A moda e a indústria têxtil têm sido parte do nosso patrimônio criativo durante séculos. A indústria do vestuário foi constantemente inspirada pelo compartilhamento de conhecimentos. Infelizmente, com o tempo a intervenção criativa, a possibilidade de atualizar e traduzir essas ideias para algo original foi substituída pela cópia para economizar tempo e dinheiro, terceirizando a produção no exterior, onde uma boa reprodução representava um sinal de trabalho bem-feito!
Nesse processo de criação, juntamente com a aceleração das fast fashions ao colocar produtos no varejo a preços mínimos, a cultura da moda é o que estamos perdendo ao longo do caminho? O que mudou no relacionamento que as pessoas têm com a roupa hoje em dia?
A moda rápida tornou-se sinônimo de descartabilidade e impessoalidade, de modo que um movimento de contracultura de pessoas que reciclam e reutilizam está tomando forma. Com meios éticos de se produzir, os preços estão subindo, e assim as marcas precisam assumir a responsabilidade e educar seus compradores sobre o verdadeiro valor de uma peça de vestuário, em vez de subsidiar preços irreais para atraí-los até a porta da loja. As pessoas estão em busca de uma maneira mais ética de consumir, e alguns realmente estão tentando consumir menos.

Em seu manifesto antifashion, Li Edelkoort sinalizou que a moda tornou-se de alguma forma previsível (pouca ousadia, muita releitura)… A moda está fora de moda?
Como Li mencionou no seu manifesto, “os grandes designers da nossa época nasceram nos anos 80 e foram criados com um sentimento de nostalgia pelas décadas mais empolgantes”. Por isso o vintage é continuamente relançado nas passarelas. No entanto, com cada resgate as coisas são modificadas e atualizadas. Mesmo quando a moda parece estar olhando para o passado, está sempre refletindo o agora, o contemporâneo.
Existe um limite para reciclar e recriar estilos? Existe uma falta de movimentos inovadores e vanguardistas na moda hoje?
A nostalgia levou muitos designers na Europa e nos Estados Unidos a dependerem de outras épocas para se inspirar. Mas essa é uma abordagem do Velho Mundo que está estagnada. Nos mercados do Novo Mundo como Brasil, Índia e Austrália, existem coleções empolgantes que celebram a criatividade da moda. A vanguarda ainda está presente na Europa, com novos pensamentos de jovens designers do Oriente e de várias partes do mundo, mas também há movimentos de vanguarda em lugares como Escandinávia, China, Coreia e Japão, é claro.
Vimos recentemente o surgimento de movimentos como o normcore ou o conceito “blunt and boring”, como uma espécie de “antídoto” a esse cenário de massificação de estilos e referências. Eles apontam para alguma direção?
O normcore e esse jeito anônimo de se vestir fazem parte de uma subcultura, as pessoas estão cansadas de consumo, de tanto marketing. Elas se esforçam para ter um modo de vida mais modesto, ainda em contato com o que está acontecendo, mas não interessado em moda pelo amor à moda, ao consumo. Isso marca um interesse por roupas básicas e simples, que são fabricadas de maneiras mais sofisticadas com tecidos casuais, mas de melhor qualidade, com atenção aos detalhes.
Em termos de estilo, qual é o papel de países como o Brasil nesse processo?
Os estilistas brasileiros captaram a atenção do mundo com um estilo único de moda casual; um estilo definido pela cor e temas ricos, pela sensualidade e sustentabilidade. O mercado local é importante para essas marcas, mas a comunidade internacional está ansiosa por esse tipo de marca única, original. Lili Tedde e nossa equipe têm trabalhado de maneira muita próximo com parceiros locais de modo a promover o talento brasileiro no exterior. O Brasil é um dos vários países do Hemisfério Sul com um potencial criativo interminável.
Existe um caminho interessante que está emergindo na moda hoje, e o Brasil se posicionou de forma relevante nisso: o tema da sustentabilidade ganhou espaço na mídia nas últimas décadas. A moda com um propósito elevado, consumir com consciência, são temas que ganham destaque na medida em que os consumidores estão empoderados?
Existe uma nova geração de marcas sustentáveis que têm liderado esse movimento. Promovem materiais ecoconscientes, que possuem estruturas éticas de produção e um pensamento moderno. Os consumidores estão prestando cada vez mais atenção nisso e estão imersos na filosofia que compartilham. Eles se tornaram ativistas na hora de comprar.
Hoje é imperativo que as marcas se preocupem com o aspecto sustentável. No consumo consciente, a roupa não pode ser descartável e os ciclos de criação e de uso precisam ser mais longos. Que atitudes uma marca pode adotar para incentivar essa prática?
Uma nova linguagem precisa ser formulada, ensinando as pessoas sobre o valor das roupas e como capturar a alma de um produto; incentivando-os a ter um relacionamento mais pessoal em longo prazo com suas roupas. Empresas conscientes também precisam perceber que seu sucesso pode ser medido de outras maneiras, e não apenas economicamente. Revistas e blogueiros ajudariam se evitassem um uso em demasia e corrupto do merchandise publicitário. Esse tipo de product placement desonesto promove o consumo excessivo e em breve falhará com o público mais jovem, bastante cínico.
O discurso do lowsumerism deveria ser para o mundo inteiro. Mas como tocar as pessoas que nunca tiveram a oportunidade de consumir e agora têm a oportunidade e não se incomodam em internalizar esse paradigma/estilo de vida?
Os mercados em desenvolvimento estão exigindo o direito de experimentar os produtos e serviços que outras partes do mundo desfrutaram antes. As marcas globais devem parar de tirar proveito disso, muitas vezes em detrimento dos concorrentes locais, e começar a incentivar esses mercados para aprender com os erros dos outros.
Quem são os verdadeiros vilões: o consumidor, a indústria ou a publicidade? Qual é o impacto percentual de cada um deles sobre o meio ambiente?
Os consumidores estão finalmente acordando para o lado feio da moda. É a segunda indústria mais poluente do mundo, com altos índices de emissão de carbono, por isso, é urgentemente necessária uma abordagem mais ecológica e sustentável da produção, incluindo o processo de tingimento e a lavoura relacionada à indústria têxtil. A ganância dos acionistas e a influência do marketing arruinaram a criatividade da moda e mancharam o interesse dos consumidores pelas compras, levando-nos às fast fashions e ao consumo excessivo. Essa mudança de poder do estúdio de design para o escritório de marketing resultou em produtos sem alma e homogêneos que não atraem as pessoas.
Recentemente voltamos a ver uma forte apreciação do aspecto artesanal na produção de moda, com o surgimento de pequenas marcas, de novos artesãos… Esse tipo de criação tende a ser mais original e acreditamos que é um movimento duradouro (e talvez o único movimento) que vai fazer sentido a partir de agora. Como você vê esse cenário?
Quanto mais virtuais nos tornarmos, mais importantes se tornam o contato e a autenticidade nas nossas vidas. No entanto, à medida que avançamos, a tecnologia e a produção artesanal irão se fundir para se tornarem um novo híbrido. As fronteiras entre o feito à máquina e o feito à mão se dissolverão.
Quais são as suas apostas para a moda no futuro?
Preços de produtos de luxo vão subir e a alta moda vai voltar a ser apenas para a elite, em vez de algo democrático, como as casas de luxo querem de acreditar ultimamente. As fast fashions, espera-se, morrerão dentro de uma geração, sendo substituídas por um mercado médio reanimado por roupas de qualidade duradoura e com preços razoáveis. Tecidos e cores vão mudar drasticamente. Muita gente vai aderir aos materiais táteis, matizes mais suaves e a um vestir-se “fácil”, como uma espécie de “capa”, uma proteção de segurança que os conforta enquanto se recuperam da agitação sócio-política. Autenticidade, origem e qualidade serão os fatores mais importantes para os consumidores de todos os tipos.
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